quarta-feira, 14 de julho de 2010

Notícias ao Nino e a quem mais interessar


Meu amorzinho, o céu hoje está negro. Raras estrelas no abrolhos de fim de tarde, e a lua anda quarto crescente. Mas curioso, o céu está belo. Diz poesia, parece noite de serenata. Tem uma estrela luminosa do lado da lua.

Chamou-me de amorzinho! Está a pensar. Explico-te. É um amor pequeno. Mas que sendo assim, tão miudinho, faz estragos de tufão. Se um dia ele há de se grande? Não possui pretensão o meu amorzinho, se sabe que ainda pode ser a cada instante ainda maior do que já é.

Escrevo-te para que saibas o que ando fazendo da vida assim, aqui, tão longe de você. Ontem caminhando pelo centro vi um ipê rosa, que dá muito por aí. Você provavelmente encontrará em qualquer ruazinha sossegada que você passar. Quase numa transmissão surpreendente (não para nós) você vai procurar nela a suavidade terna que eu admirei.

Já agora te digo numa carreira as novidades da semana. Ando lendo o Gabriel, sabe, meu amorzinho, eu sou uma Buendía, e isso nem parece tão inverossímil assim. Comprei ontem no sebo, Olhai os lírios dos campos, e numa página única lida fiz reviver todo o redemoinho de sentimentos guardados na lembrança. Não sei se os lírios ou o amor sempre possível me enterneceram o coração. Mas senti como se um pedaço de mim voltasse. Estou dando continuidade aos meus estudos das bailarinas de Degas. Bento, o gato felpudo quebrou a pata traseira. O jasmim laranja anda pelado e o jardim das papoulas foi forrado de folhas secas. Já é outono meu bem? Estou pintando um quadro da Tarsila numa bolsa minha (artes, sempre artes). Está ficando uma belezinha. Amanhã recomeço de onde parei A Reunião dos Nossos. Você ainda não me escreveu dizendo o que achou dos trechos que te enviei. És um ingrato!

Ontem me reuni com alguns bons amigos para beber uma garrafada de côco. Sua presença me fez falta. É que sinto saudades do flerte do brilho de seu olhar. Amanhã vou sair com o bloco que me falta um pedaço, leia-se esse pedaço, Dora, não a de Caymmi, mas a de Salgueiro.

Amiudadas vezes ando solitária. Mas de solidão boa. É solidão de poeta. E penso muito em você. Pra não sentir tanto a tua falta quanto você sente a minha, eu ando lavando muita roupa suja (essa foi pra você sorrir, porque você mangou quando eu disse que era essa a minha atividade doméstica preferida). Prometi a você que iria ficar bem. Estou tentando. Sim, ando um pouco triste por tudo, é natural. Saudades de tanta coisa. Minha vida anda agora, meu amorzinho, toda repartida no singular, sem par. Mas ela não deixou de ser um sunshiny day. I can see clearly now.

Meu amorzinho, quanto tempo leva um mês pra passar? E nesse caso, a gente chama saudade ou saudades esse sentimento de incompletude?

Então é isso. Eu amo você. Tão simples dizer.

Sua Laura.


PS1:Eu sou irreconhecível, irrecuperável, desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente em ti, docemente em ti, meu amor. (Rubem Braga)


Ps2: Water serpents, 1907, Klimt.


PS2:

Um comentário:

Anônimo disse...

"o bloco que me falta um pedaço, leia-se esse pedaço, Dora, não a de Caymmi, mas a de Salgueiro."
Como tu consegue fazer isso hein?! Por isso que sou tua fã incondicional.