domingo, 30 de agosto de 2009

Carta a um leitor que passa por mim...


Nem sei se ainda me visitas
Nem sei se ainda me lês
Se pensas em mim com eu em ti
Se ainda sou a tua gloriosa descoberta
Tu me exorcizaste.
LOgo eu,
Que feneci ante tuas cálidas palavras
E te descobri também
Ao me descobri nelas.
Que há nelas que me envolvem,
Que causa qualquer coisa que emudece
E as vezes entristece?
Lê meu bem
Foi pra ti que escrevi
Desnudas as minhas vestes
Descobre-me lua
Estrada quase tão tua
Vês que flutua pra ti essa palavras...
Tu que passas por mim,
Indiferente,
Displicente
Distraído.
Eu que te vejo com uma frequência constrangedora
Na sua timidez de poeta distante
Um sorriso,
Um aceno,
Não me cumprimentas, sabes.
E não se cansam de cruzar as tuas com as minhas
Estradas,
Olhares
Vagas
Que há que não me respondes?
És deselegante assim.
Eu ainda espero tua resposta
Se é que já não descobrisses sozinho isso.
E o acaso que te trouxe tão próximo,
Lado meu
De lado teu
Sombrinha pra frevo
é dois.
Duas vezes que cai.
Uma mesa ao lado da minha,
Olhaste-me e bem sei que me encontraste
Sabes que sou ainda aquela das palavras...
Que ainda sonho em viver um grande amor
Mesmo que não sejas tu.
Escrevo-o, muito embora, pra tu ler
Dignas a me dá respostas,
Que ainda as aguardo com ansiedade.
Mas te confesso - E é o meu maior receio
Que tu nunca leias as palavras que te escrevo aqui.
Que se perca entre tantas outras,
Sem achar a quem foi destinada.
Mas se não a leres
Ou se não desejares responder
E a isso não faças caso,
Saiba que aqui pois,
Será o sepulcro final
De meus desejos vãos.




PS: Danaide, Rodin. Inspirada numa mitologia grega, as danaides foram condenadas por hades a carregar água em baldes furados pela eternidade. É a representação do amor que se vai fugindo, se esvaindo, como um amor (des) sentido.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

No quarto escuro e abandonado, as memórias de Tereza


Meus caros, defendo-me sempre. Queria eu ter cego meus olhos para que os olhos de Helano não me envolvessem nessa prosaica insanidade. Quisera eu ter os lábio cortados para não te sentir a volúpia dos beijos teus. Larga de mim Helano! Desejo-te não menos que a morte cruel! Rezo para murchar-lhe toda a fremente vida.

Eu vos digo, Helano foi o meu elo com o inferno. A minha perdição. Será a de quem mais amar Helano. Não se ama Helano, se venera, e essa veneração é quase um vício incurável. Basta! Não continuem lendo as minhas mémorias, essas que de tão desprezivel e ignóbil deveriam ser lançadas a mais merecida indiferença, serem queimadas ou lançadas ao lixo. Pouco importam-me, só não desejaria que caissem em tuas mãos, leitor fiel.

Silêncio. Deixe as mémorias minhas quietas antes que teu coração cerre-se de inquietude... Eu não pude fugir a Helano... Não pude eu fugir à sua carne, nem a sua memória, Helano está em mim. Nada permanece na paz do bem. Helano não sai de mim... Nada permanece em mim, só Helano. Só eu, louca e insana, permaneço parada dentro de um tempo...

Gaiola é para pássaro que perde a sua essência: o vôo.

E o tempo vai passado, passando, passando...
PS: Uma das mais belas esculturas de Camille Claudel, Sakountala (o abandono). Camille foi a aluna mais talentosa de Rodin, e essa escultura, a sua primeira dramática, foi inspirada, segundo a sua biografia, numa traição de Rodin. É uma cena terna entre dois amantes, em que o marido pede perdão a esposa por seu abandono e esquecimento. Rodin abandona Camille louca de amor anos depois dessa escultura ficar pronta.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Recado da menininha do poeta


Lá na minha casa em Bonança
Tem uma figueira prateada
E um jasmim laranja,
Se floresce,
Perfuma o ar do meu quarto.
E da janela aberta
O sol se vai
Manchando o céu de nuances avermelhadas.
Vejo o abrôlhos tímido das estrelas.
Seis
A badalada da Ave Maria.
Lembro de você dizendo que eu era a sua avemariazinha.
Meu violão anda mudo de saudades de ti,
Que não chega.
Tão real e evocativo ao me abraçar.
Meu Deus, eu queria brincar com ele!
Fazer comidinha, jogar xadrez.
Ele diz que casa comigo
E vem morar em Bonança.
Viver um amor prosaico.
Mas eu não acredito!
Meu benzinho adorado
Vê se não demora a me encontrar,
Que sinto saudades de ti!
E quando chega a noite eu fico tão triste que dá pena de mim.
Ao menos me visita ingrato!
Faço café e sonho de creme,
Aí a gente lancha no balanço de baixo da figueira
Vê o sol se por,
O jasmim florir
Nessa minha casinha em Bonança,
Que é tua também.
Boa noite
E dorme pensando
Nessa que só pensa em ti.



PS: Picasso, O sonho, 1932. Retrato de sua então amante Marie Thérèse Walter.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Quando eu vi Tereza Arcadievna diante de mim...


Encontrei Tereza Arcadievna sentada, solitária, no seu exagero de solidão.

Ela parecia uma visão...

Era branca e branda...

Como espuma, qualquer coisa nela de revolta me lembrou o mar.

Não era bonita a primeira vista, nem a segunda...

Deus cegue-me diante da terceira vez!

Tereza Arcadievna apareceu-me como um deslumbramento...

Dessas belezas que ganham sutilmente...

Era beleza de pérola.

Tereza Arcadievna me subjugou...

E ela teimava em dizer que eu lhe fiz mal!

Tereza foi a minha perdição...

Depois de Tereza, Helano feneceu...



Ps1: Helano ao ver os textos de Tereza, pediu-me cordialmente que cedesse um espaço para ele em meu blog. Helano deseja se defender das acusações de Tereza. E eu apenas ser justa! Tereza há de me desculpar...


Ps 2: Melancolia, Edward Munch.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Memórias do quarto escuro, o diário de Tereza.


Eu ainda não conhecia o Helano...
O meu universo ordenava-se em duas distintas e estimulantes categorias. Era o bem e o mal. Eu habitava a região do bem, obviamente, lá reinavam incontestes e indissoluvelmente unidas a virtude e a felicidade. O bem era separado do mal por uma espada de fogo.
Eu não conhecia o mal.
Eu ainda não conhecia a embriaguez de me ver viciado nos transes loucos de loucas transas, abusei da minha própria condescendência.
Eu conheci o mal.
Nesse doar-me inteiro, fui mais generosa do que em toda a minha vida. Ânsia do gozo, talvez. Quanto a minha generosidade, não engendrou em mim nenhuma humilhação, nem remorso. Juro-lhes, causava-me o mais provocante prazer toda essa libertinagem que eu vivia naqueles dias. Lá eu enfrentei o inimigo de rosto descoberto.
Lá eu me perdi em Helano.


PS1: Por obra do acaso os textos de Tereza me cairam em mão. O diário de Tereza estava guardado nas lembranças velhas do quarto escuro e abandonado. Tereza existe. E não é de ninguém. Só é uma mulher dividida entre o bem, o mal e a liberdade. O poderozo tripé humano.


PS2: Picasso, Girl before a mirror. O cubismo rompeu radicalmente com a idéia de arte como imitação da natureza, prevalecendo na pintura e na escultura européia desde a Renascença. Picasso abandou as noções tradicionais de perspectiva, escorço e modelagem tentando representar solidez e volume numa superfície bidimensional, sem converter pela ilusão a tela plana num espaço pictórico tridimensional. Eis então, que nos aparece um primeiro Picasso no blog!



quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Bonança, junho de 2008


Há dias que espero um raio amarelo no quintal!
E ele não vem...
Nem tuas carta vêm.
Nino já não me escreves com a mesma devoção...


Ps: Claude Monet, Camille au Métier

terça-feira, 18 de agosto de 2009


Há dias atrás venho me perguntando - Como termina um amor? - segundo Nelson Rodrigues, o amor é eterno, se terminou é porque não era amor. Mas como saber se era amor? E para saber-se ser, é preciso vivê-lo todos os dias. Mas então, nesses "todos os dias da vida" como sabemos se é amor se não sabemos se ele vai ser eterno? Se vai acabar amanhã? Ou semana que vem? Daqui um mês? Então não podemos saber se um amor é eterno, logo, não sabemos se é amor.

Mas que implicância a minha com essa implicância do Nelson! Prefiro (sempre) acreditar nos amores contingentes e nos amores absolutos. Como Sartre e Simone.

Mas como um amor chega ao fim, eis que retorno a minha pergunta inicial. como tantos amores morrem assim aos pés de mim? Na verdade penso que ninguem sabe. É uma espécie de inocência mascarando o fim. "Um crime perfeito não deixa suspeitos". O fim de um amor assim, tão bonito, dessa coisa concebida como filho primogênito, afirmado, confirmado, vivido como eterno.

E o fim do objeto amado, seja qual for ele, desaparecer de nossas vistas, ou seguir ao campo da amizade. Ainda assim, ninguém sabe porque se dissipou o amor se era poesia (Todo o amor é poesia, se não era é porque não era amor).

O amor que vai, que finda, se afasta pra um outro mundo, longe dos dias, foge a páginas várias, um presente distante que vira passado. Como um livro que se perde na mudança, só resta a lembrança da cor de suas páginas, de suas orelhas engraçadas, dos traços de sua capa, nada mais.

Engraçado como as coisas funcionam! O ser amado ressoava vibrante em nós, de repente não mais que de repente, encontro-o eu sem brilho. Perdeu ele todo o lume. E eu sem saber como percebo que desgostei. Que todo o amor sem fim chegou enfim, ao fim. E eu aqui que te escrevo essas palavras, não posso construir o fim da minha história, porque ela me foje. O porquê do fim do meu amor, eu não sei, ele pertence a outro, ao que escreve os romances de minha vida.

Isso é estranho, é engraçado, mas incômodo.





Ps: Edward Munch, Separação, 1896.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009


Ora Viva!
A poesia voltou a ter a atenção
que merecia.
As tardes em preto e branco num abraço apertado,
Como a solidão e o sol se pôr no fim do dia
Eu vou ver
As noites de filmes trágicos.
Amores Trágicos.
Viva a poesia!
A poesia adormecida
Em toda a sua ausência,
E toda a sua presença
Forçando um sentimento
Abrigado nos versos
Que não te escrevo.



PS: Paul Cézzane, La maison du pendu