quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

2010


Previsões óbvias para 2010. A propósito, 2010 não lhes parece um ano repleto de obviedades? O que parece obvio senhores? Direi-vos sem ironia. Madonna rompera definitivamente com Jesus Luz, o que vá lá, meus caros, não há nada de novo, nem de interessante. Nem nele nem no relacionamento! O Greenpeace, considerando a esterilidade de muito de seus atos, continuará brigando incansavelmente contra o aquecimento global, que a bem lembrar não diminuirá. Mas não se desesperem, talvez o aquecimento global faça parte de uma rede de teorias da conspiração, e na verdade ele nem exista. Vá saber! Sobre o mercado de Carbono? É piada? Posso rir? As revistas de fofoca continuarão dizendo que Jennifer Aniston, ex de Brad Pitt ainda não arrumou outro marido porque curti uma dorzinha de cotovelo. Gente tem dó! Xuxa continuará afirmando que viu Duendes! Dilma Roussef ganhará no segundo turno, depois de um grande escândalo de corrupção denunciado pela oposição. Surgirá, então, um marketeiro de talento pra limpar as folhas secas do terreiro. E enfim o Brasil terá uma mulher na presidência, não que isso vá fazer muita diferença. Mas já é um motivo a mais para as feministas de plantão orgulhar-se de suas grandes conquistas (Eu continuo não sendo irônica). O Santa Cruz enfim voltará pra uma divisão de fato, assim ansiosamente espero e torço. A Lady Gaga confirmará minhas suspeitas, existe vida extraterrestre. O povo brasileiro continuará moldado num formato pausterizado sob a conduta de “vamos festejar o ano da copa” pra esquecer suas mazelas políticas e sociais. Por falar nisso o Brasil ganhará a copa por pouco, e seremos hexa! Obama, elegantemente diplomático, continuará com a gentil política do morde e assopra. E sim, Hugo Chaves, sua Venezuela e sua sede por protagonismo se autodenominarão, com entusiasmo, eixo do mal. E se finda por aqui as previsões óbvias de 2010, há quem duvide?


PS: Marcos Krackowizer, Keleti Oil on Cavas.

PS2: Para todos os meus visitantes, queridos sempre, um feliz 2010! Ano que vem sejam sempre bem vindo, para prosear e tomar um bom café com sonhos de creme. É um grande segredo pra manter as boas relações. Abraços apertados a todos!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Para Betinha com todo o meu amor


Quando uma avozinha dorme para sempre, ela não trás mais copinho de água, não faz a comida que a gente gosta, não liga mais perguntando onde estamos, e não adianta mais se acordar dia de domingo de seis horas da manhã pra levar ela pra igreja. Porque quando uma avozinha dorme para sempre, ela fica somente nas coisinhas que nos rodeiam... Nessas coisinhas pequenas que a gente nunca se dá conta que quando falta faz uma falta danada. No começo a gente nem percebe, porque o nosso mundinho perde todo o equilíbrio, e a nossa vida fica toda bagunçada. Nos primeiros dias, a gente só percebe que perdeu, pela falta que faz, pelo brilho triste nos olhos do papagaio Lilico, na velha cadeira de balanço vazia, nas lágrimas que a gente derrama. Mas aos pouquinhos, quando a dor vai passando e a gente começa a encontrar na esquina da rua a alegria, aí sim a gente começa a perceber que a avozinha que se foi ainda está com a gente, está nas posições dos móveis, numa velha xícara de café forte, numa caixa de batom que a gente encontra escondida no armário, numa pessoa de coração puro, nas nuvens no céu... Aí a gente percebe que a avozinha vai acompanhar a gente a vida toda, porque a avozinha é ainda uma parte da gente, porque ela nos moldou em suas mãos delicadas. Chora betinha, que hoje a dorzinha ainda te aperta o coração, porque ela ainda não quer ir embora, mas um dia ela vai querer. E tu vai só sorrir...


PS: Lasar Segall, Mãe morta, 1940.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

1- Sofia Bianchi sonha já acordada


Acordou no meio da noite lembrando que sonhou com ele... E as palavras jorraram de sua mente como quando a gente acorda de sono intranqüilo. Ela pensou que se deixasse o seu belo caderno de anotação n. 6 na cabeceira de sua cama poderia registrar todos os seus belos pensamentos. Mas era tão forte a ventania de suas palavras que achou não ser possível registrar o jorro de palavras que lhe invadia a mente quando estava dormindo e acordava no meio da noite, no meio do sonho. Mas era como segurar um castelo de cartas e lembrar das lindas palavras que disse pra ele em sonha que em vida real ela não tinha coragem. E nada disso parecia possível, tudo era tão cansativo, se acordar no meio da noite e escrever coisas de amor. Mas ela ficava parada olhando o quarto iluminado, antes de adormecer e acordar novamente. E acordava todas as vezes que as palavras ditas a ele eram bonitas e singelas que nem pareciam com ela. Mas ela lembrou que se não lembrava das palavras lembrava das cores das cenas no seu sonho de amor. Resolveu o problema sem mais reticências. A moça comprou uma caixa de lápis de cor e pintou em cores as palavras e os sabores de seu amor pelo rapaz lindo do sonho bobo de amor.



PS: Dormeuse, 1943, Balthus. Nascido em Paris, Balthus e sua família foram forçados a abandonar o lar durante as duas grandes guerras mundiais. Nasceu em 1908 e morreu na Suiça em 2001. Na tela acima, uma jovem está sugestivamente deitada perante nós, e desconhece que é alvo da nossa atenção. As cores escuras e sombras pesadas intensificam a presença de um erotismo subjacente. Balthus trabalhava de forma figurativa, numa época em que se considerava isso como uma arte reacionária à própria modernidade. E no entanto, o tema da obra desse autor tem muito a ver a arte radical confrontando-se com a zona proibida e reprimida da consciência. Os temas de Balthus são moderns, desafiantes e quase poderia ser a ilustração dos estudos sobre a sexualidade infantil de Freud, cujas ideias influenciaram a arte no século XX. Convido-os a conhecer a arte de Balthus.

Cartas a um velho amigo


Para Florius


O meu mundo não é igual ao dos outros, eu sei que você diz que o seu também não é... Mas o meu, meu bom amigo, é confuso demais; quero demais, exijo demais; eu tenho sede de vida, sede de infinito, sede de imensidão. Há uma angústia constante que eu não compreendo, sabes que na minha vida nada falta e o que falta sempre chega a mim de uma forma ou de outra, vê estou longe de ser pessimista; sou uma exagerada, exaltada, de alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que deseja o mundo de todas as formas e maneiras. E que tem saudades pequenas, que doem feito beliscão. Tem saudades e não sabe de quê.


PS: Saboriei e fiz bom proveito dos bolinhos que me enviastes, mas lhe imploro, não gaste tanto dinheiro comigo. sei que gostas de mim, mas o senhor não é rico. Apesar de tudo me levantei alegre.


tua amiga


Laura da Hora



PS: Frank Weston Benton.

domingo, 27 de dezembro de 2009

O magnânimo


Porque não me fala do senhor? Não gosta de falar de si mesmo? Pois eu cá, já sou o contrário. De quem poderia falar com tanto entusiasmo prazeroso senão de mim mesmo. Sou vaidoso, e assumo porque nunca tive problemas com a modéstia, à bem da verdade não a possuo. E nem nunca desejei ser tão simplório. Mas reconheço humildemente, meu caro amigo, já o posso considerá-lo assim, sempre fui um poço de vaidades. Eu, eu novamente e eu por fim, esse foi sempre o refrão da minha ilustríssima vida. Só consigo falar vangloriando-me, sim, mas havia todo um jogo cênico, pois também sou ator, e isso se dá maravilhosamente com a minha desfaçatez. Mas sou um homem francamente inteligente, e construo toda a cena com absoluta descrição, cuja verdade só eu possuo. Por que eu vos digo isso? Chega uma época, meu caro amigo, que até homens magnânimos como eu se deprimem, procuro um sentido todo pra esse meu total cinismo, pra esse estúpido e imenso amor próprio. O senhor entende-me não? Não, creio que não. Mas não preciso que me compreendam, talvez isso seja impossível, espero, não, almejo ansiosamente que me escutem o desabafo tardio. Sou um homem sem moral. Digo mais, sou um homem sem caráter. E no entanto isso me parece bastante razoável. Sabe, meu bom amigo, eu sempre me considerei mais inteligente que todo o resto do mundo. Não sorria, eu ainda assim me considero. Só reconheço em mim superioridades, mesmo quando me encontrava diante de algo em que eu não tinha habilidades, ainda assim eu era mediano, e acreditava piamente que se me dedicasse obteria retumbante êxito. Só vivia para alimentar o jogo feroz do eu-eu-eu. Digo, ainda vivo. Mas alguma coisa anda me incomodando. Consciência, o senhor diz, não meu caro amigo, a consciência jamais me pesou, confesso acreditar que na verdade eu não a tenha. Minha vaidade não tem objetivo, o senhor me compreende? É uma vaidade patológica! Eu vivo ainda hoje assim, sempre firme no meu posto, defendendo a minha soberania sempre. E no entanto, percebo que sobrevivo na superfície da vida. Não me compreende... É evidente, se nem mesmo eu me compreendo.


Silencio abissal estabelece-se entre os dois senhores vestidos de preto, sentados na praça do campo das princesas, somente a fonte distinguia o silêncio da música. Passaram-se assim muito tempo até que alguém novamente voltasse a falar.


Já vai? O prazer foi todo meu caríssimo. Meu senhor, posso oferecer-lhe meus préstimos, sem correr o risco de ser inoportuno? Pois sim! Acompanharei o senhor até a ponte. De lá não seguirei mais. Obrigado.


E não seguiu. O senhor magnânimo da ponte quedou-se em 27 de dezembro de 2009.


PS: Desespero de Edward Munch. Uma historiadora de arte identificou a paisagem que inspirou o pintor expressionista norueguês, Edvard Munch(1863-1944) a fazer seu quadro mais famoso, a obra intitulada "O Grito". Segundo Sue Pridaux, trata-se de "Kristiania", atual Oslo, vista de Ekeberg, em cujo asilo psiquiátrico a irmã mais nova de Munch, Laura, foi internada por causa de sua esquizofrenia. O lugar também fica perto do matadouro da cidade, explica a especialista, citada hoje pelo jornalThe Times. Segundo Pridaux, os gritos dos animais no matadouro combinados com os dos loucos no asilo, intensificaram a ansiedade do artista sobre seu próprio estado de saúde. Munch que perdeu a mãe e a irmã mais velha na infância, sofreu com frequentes depressões e crises de alcoolismo. O famoso quadro mostra uma linha diagonal, que segundo se achava, representava uma ponte, mas Pridaux a identificou como sendo um muro de segurança que ainda existe na região. Munch utilizou esse mesmo fundo em suas obras "Desespero" e "Ansiedade".

sábado, 26 de dezembro de 2009

Biblioteca das moças


Nossa coleção é constituída de adoráveis romances vazios que encantam vossas cabecinhas ingênuas e prendem pelo vulgar romantismo burguês.



Oferecemos nas linhas esmeradas aqui escritas ao mesmo tempo às suas leitoras oportuna advertência moral e ricos ensinamentos pelo que encerram de observações sobre a vida e a humanidade.



Não se fala cá de sexo nem de nada que seja indecente para teus ouvidos, querida leitora, não ruborizes! Cá só entra moças!



Nada que aqui leias te fará pensar a ponto de tornar-te questionadora ou crítica. Querida leitora, aqui fala-se apenas sobre o amor. O assunto mais adequado para o belo sexo.



Versa-se, pois, aqui sobre a moral e os bons costumes.



De como uma moça deve se comportar pra conseguir um bom marido, visto que isso é tarefa árdua e concorrida.



Fala-se das mulheres ousadas, de onde não se deve por a mão nem a boca antes do casamento. Porque isso é muito feio, somente as senhoras o podem fazer, pois devem antes de tudo satisfazer vossos maridos, para que não procurem fora o que não tem dentro de sua casa.



Nossas heroínas casadas precisam sempre de luz apagada, porque a nudez do marido pode constrangê-la.



Não Falamos, querida leitora, sobretudo de coisas que vão atormentar vossa airosa cabecinha, como os vitais desequilíbrios sociais, nem sobre as lacunas abissais das convenções pré-estabelecidas. Nem versaremos sobre política, nem investimentos no mercado de commodities.



Haverá somente aqui versos singelos e absolutamente pudicos que é para não poluíres de maldade vossa mente.



Viverá então, querida leitora, sob a égide da boa esposa e boa filha, será uma mulher séria e morrerás oca, talvez infeliz, mas certamente vazia.


A biblioteca das moças é uma das publicações mais fascinantes do mundo, leia-o pois, querida leitora e passe horas deliciosas com essa impressionante literatura.





PS: Mother and daughter, George Goodwin Kilburne, 1890.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Blim blom vai chegar papai Noel



Coloquei meus sapatinhos, já não tão pequenos e mimosos, na janela do jardim, aquela que se abre em sorrisos à figueira e vai estar assim, comovedoramente sorridente quando o senhor se sentar pra descansar no velho balanço de madeira, antes de entregar o meu presente. Meu querido papai Noel, desculpe o sapato que eu deixei na janela, é o meu velho all star surrado que de tanto gostar dele ele ficou assim, caidinho, mas ainda possui muito valor sentimental.


Sabe, a minha cartinha deste ano foi muito difícil de fazer. O que se pede a papai Noel quando já se tem a minha idade? E o que pedir a papai Noel quando a gente é tão feliz e tão exuberante de alegrias? Eu realmente não sei...


Mas por muito tempo eu achei que o senhor não existisse, que ele estava espalhado em tantas coisinhas pequenas que era preciso muito delicadeza pra juntar tudo numa caixinha e encontrá-lo de novo. Eu só queria que o senhor atravessasse o meu jardim e viesse me abraçar. Mas como o senhor não gosta de ser visto, eu juro que mato essa vontade. Sabe, papai Noel, hoje eu acredito que o senhor existe, como também acredito que ninguém é triste, que no mundo há sempre amor e que as nuvens são feitas de algodão doce.

Por isso, quando anoitecer o mundo, e um véu escuro bordado de estrelas encobrirem as casas da minha rua, eu vou estar toda enrolada num lençol que é pra não surpreender o senhor.


E sim, ia-me esquecendo, não precisa me dá um grande presente, porque esse, eu já os tenho ganho sempre todos os dias. Por isso sou sempre escancaradamente feliz, mas se o senhor ainda assim quiser me dar alguma coisa, pode mandar um pouco de gestos singelos e de doçura a minha personalidade, que ainda estou carecendo.


Obrigada

Laura


Ps: Cândido Portinari.

PS2: Ao meus leitores um imenso feliz natal!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

E eu lá não li Maiakowiski


A água da fonte escorria como lágrimas incansadas, indispostas e revoltas. Nunca as ouvi assim. Parecia chuva, não, parecia lamento. Eram os meus olhos tristes de saudades. Engraçado como a saudade sendo sentimento que existe, parece indizível em palavras. Gestos sim, estes a revelam.


Era uma noite quente, luminosa, memorável e guardava seu bocado de tristeza. Mas uma tristeza sem dor, era a tristeza do vazio. Era uma noite de despedida, ao menos era essa a impressão persistente que me acudia.


Imaginei essa noite vestida de tantas roupagens e nenhuma delas correspondeu de fato a nudez causada. A solidão é nua, meus caros. Gostava de pensar que nada lá me bastaria. Nada lá me suplantaria. Nada me escaparia, porque era o meu maior desejo. E desejo sonhado com todo o coração o mundo conspira a favor, ao menos no meu caso, é sempre assim. Desejei tudo lá ser meu, teus livros, discos e rabiscos. E o foi, teu conhecimento de mundo deu a mim essa argamassa na alma minha que tanto admiro. O teu mundo em quatro grandes paredes foi meu. Tudo o que por ali turbilhonou nesse longo tempo foi meu e teu. Em minhas mãos tuas digitais, no coração tua inspiração, na alma o melhor de ti.


Mas hoje, fatídico dia nosso. Ultimo dia nosso, deixo-te para correr mundo, levando em mim o melhor que me deste: espírito refinado! E as tuas amadas, queridas paredes já não são diques para o meu imenso desejo de vida. Deste-me asas e uma noite estrelada. Hoje saio, corro o mundo, e levo-te sempre guardada ao coração, imprimindo em meus versos, refletida nos meus olhos tua fiel companhia. Querida companhia.


Agora te olhando assim, ao me afastar de ti, com grandes esperanças à mão, percebo que as lágrimas incansáveis, indispostas e revoltas caem de meus olhos amendoados e não só de tuas fontes que a mim sempre me pareceram olhos lacrimosos.


Bem vindo ao mundo! O mundo me diz.


PS: Gustav Klimt.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Os desejos de Luisa pra mim...


Era uma vez uma boneca chamada Luisa. Ela mora em cima do meu guarda roupa e anda reclamando do abandono que eu tenho lhe dado. Luisa, pobrezinha, quando chora estica bem a lingua pro lado e lambe as lágrimas manchando-a de tristeza. Pobre Luisinha, era a minha boneca preferida de rosto de porcelana e tem esse nome por causa de Luisa de Tom Jobim. Ela não se conforma por eu não mais brincar com ela, só porque eu já cresci e ela ainda é uma boneca menina.


No dia fatídico da nossa despedida, Luisa desejou que os meus dias fossem sempre lindos, e minhas noites sempre estreladas, o papai do céu das bonecas parece que te escutou Luisa meu bem. E desejou que eu pudesse serenar a minha fronte ao repousar no travesseiro. Desejou que meus amigos fossem fiéis, meu caminho repleto de árvores floridas, sorrisinhos infantis, braços quentes em noites de frio, beijos ternos em dias de sol, almas sensíveis aos meus versos, que ninguém torne meu coração de pedra, nem que me façam perder a singularidade, que os meus amores durassem exatamente o tempo de meu aprendizado e principalmente, que o tempo permita que nos reencontremos em dias de calmaria.


Luisa me desejou tudo o mais que eu não lhe desejei quando a coloquei de volta na caixa. Pobre Luisa!



PS: Dorothea Tanning (1910 - ), pintora e escultora inicialmente simbolista e depois recebe influencias do Surrealismo. Logo depois ela cria o seu próprio estilo, mais prismático e lírico.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Bonança, 2009


Querido Nino


Hoje ao acordar, fiquei um longo tempo no calor dos lençóis, escutando de longe o amanhecer ruir. Os sons íntimos do cotidiano calmo. Canto de canário da terra. Sussurro de criança. Nosso cachorro latindo. Farfalhar de árvores. Ventinho bulindo o mundo. Sol treloso entrando pelos buraquinhos do telhado. Nino, meu bem, a Cléo aqueceu meus pés hoje. Verdade quase incrédula, porque ela anda muito arisca nos últimos dias, mas acho que ela estava com saudades de ti, como eu.

Sabes, te escrevo nessa amorosa melancolia porque hoje relembrei de nós dois. Quando éramos amigos, somente. Nossa imensa capacidade de ternura falava ao silêncio da nossa perfeita intimidade. Nunca havíamos nos beijado, mas nossos pés se esquentavam constrangidos, pelo desejo só do toque. E nossas pernas desejavam o roçar macio da penugem que nos encobria. Restava a imobilidade. Falávamos baixo pela necessidade do rosto próximo. Você lembra Nino? Havia economia nos gestos, timidez mesmo, gagueira infantil de quem deseja falar o evidente. Depois, nos meus cabelos tu me acarinhavas, tua mão já me tateava antes de me ter, havia o medo de ferir no toque, de tua mão forte de homem fez-se a delicadeza de pétala nas pontas dos dedos. E eu lá, parada, na inércia infinita de teus carinhos. Isso valia mais que beijo consentido. É uma expressão de pureza de sentimento. O tempo tudo faz.

Amanheci com a idéia vaga de solidão, que de repente faz-se saudade. E vejo em tudo minhas lágrimas cansadas, teu rosto na sombra, teus olhos na memória e a distância inimiga. Sinto tanto a tua falta.

E para matar a saudade de teus olhos doces ando estudando com afinco o novo pintor que descobri já velho. Chama-se Lasar Segall, e sobretudo, o que há de melhor nele é que sendo russo (a velha paixão nossa) apaixonou-se pelo Brasil, por Tarsila do Amaral e por Drummond e tomou nossa impressionante e colorida forma de pintar. Nino, meu bem, Segall foi a minha maior descoberta este ano, ando encantada com ele. Fiz alguns desenhos dele, olhas e me respondes o que achastes, gosto da tua sinceridade terna, de quem possui a elegância de não saber magoar.

Nino, meu bem, ontem passei a noite escutando o velho disco do Vinícius e a valsa para uma menininha, chorei porque Vinicius me leva sempre às lágrimas. Fiz a broa de milho que você gosta e tomei com café. As férias de verão chegaram e o calor anda insuportável, mas o dia é sempre lindo. Estou começando a gostar dos meus cabelos lisos e fartos, parece que realmente eles foram feitos para mim. Montei nossa árvore de natal, mas os gatos (Vidigal, Bento e Dora) derrubaram. E não vou te contar por carta ainda, tudo o que eu tenho vivido, e o que venho aprendendo, deixo-te a curiosidade que é pra te atormentar e não esqueceres de mim nunca, em nenhum instante. Não te zangues não, meu bem, que sabes que sou ciumenta e boba, e por ti sou uma eterna perdida, pobre de mim.


Tua Laura, esta que sempre te ama.




PS1:Carta, George Goodwin Kilburne, (Grã-Bretanha, 1839 – 1924) pintor de gênero, trbalhando em Londres, especializado em interiors com pessoas. Preferia trabalhar com aquarelas ainda que tenha muitas pinturas a óleo, desenhos a carvão e até mesmo muitas litos. Conhecido pela riqueza de detalhes em suas pinturas, característica que levou da arte da gravura em metal para a pintura. Foi um dos pintores preferidos das classes altas inglesas de quem fazia retratos com delicadeza e cuidado com muita atenção a todos os ricos interiores.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A felicidade


Esse Ruído de felicidade invisível como som de onda que vai e volta para ser mar imenso apenas. Esse passar de horas lentas e poéticos passos, lassidão infinita dos meus devaneios, foi de sábado este o que restou. Lembrança boa que a gente marca com pedra branca no livro do coração.

Lembrança boa que vem de longe e murmura suavezinha aqui no pé do ouvido meu... De onde chega esse som que canta a juventude calma? De onde surge esse som de violão antigo, dedos calejados e mão de linhas que prenunciam vida longa. Vida longa de tartaruga! 170 é o que o tocador vai viver dedilhando sempre uma tarde em Itapoã.

Dos olhos de Kaline? Que eram doces e tinha brilho de estrela que sonha em ser lua. Tava ela tão feliz, que pra eu vê-la sempre assim, vou prometer que limpo o rio Tietê e os outros restante, acho até que viro ecóloga ambulante.

Ou de Rafinha sorria a tudo e a nada? ele e seus olhos vermelhos de sono de menino bom - Parecia-me contemplação das tardes longas que cativa, sei lá porque, mas cativa.

Quem sabe de Iyalê? Que borboleteava incansada e incansável sempre. Pernas e voz que tateavam por entre nossa alegria boêmia... Toda a gente nota ela, até o mar faz maré cheia pra chegar mais perto dela porque a moça entonteia!

Será que era Dora? A Dora de Vinícios? Rainha do frevo e do maracatu, quase a flor do mandacarú? A Dora querida que eu conheci no Recife de rios e pontes. Dora divide comigo o desejo pelo imenso, pela felicida plena, conquistou-me, sempre.

A Davi, poucas palavras porque me emociona a sua ingenuidade de menino de coração largo. A joão e will, sobra nada não, só uma gentil admiração, por quem diverte sempre pela energia.

Eu me recordo de tudo isso, aqui na varanda de casa. Vendo de longe um tico-tico com uma folhinha seca no bico. E o jasmineiro se florindo, o pé de guaraná de botões vermelhos, e eu aqui só lembrando como foi bom a primeira comemoração das férias de verão.


PS: A dança de Henry Matisse.

Pra você saber que eu também gosto de você



Se sabe?
Não sei...
Só sei que eu sinto por ele o mesmo que ele sente por mim.
Seja lá o que for que ele sinta
Olha-me e olho-te no tempo invariável das horas
Os olhos que me namoram e fogem.
Sabe os outros, que eu sei...
Há no que não se percebe
Um quê de todo mundo que sabe,
Verdade.
Essa eu sei.
Sei que estou gostando de alguém,
E é de você que já é meu bem.



PS1: Love, Gustav Klimt. Ele está irreconhecível nesse rebuscado jogo de luz.

PS2: Não poderia deixar de postar essa poesia de Bilac irreconhecível para quem possui seu estilo puro e sobrio de poeta de hino à bandeira nacional.

Beijo Eterno

Diz tua boca: "Vem!"
"Inda mais!" diz a minha, a soluçar...Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morro por teu amor!

Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!


PS3: Klimt e Bilac me emudeceram hoje!