quinta-feira, 28 de maio de 2009

O dia depois


Os olhos miúdos de Estela esvaiam-se em lagrimas arrependidas. Lágrimas involuntárias. Um perfume barato no travesseiro, um cigarro no cinzeiro. Uma noite promiscua, uma pose vulgar...
Se você pudesse escolher, preferiria sexo selvagem com um desconhecido, ou com o amor da sua vida?
Estela pensava nas conversas que tivera com ele na noite passado, sentados no tapete alérgico da sala de estar. Os olhos deles me seduziam... Olhos negros ausentes, ausente de amar pessoa ausente, não eu. Os diálogos partidos chegavam agora na sua lembrança. Viagem ao Peru, roubar um beijo da Scarlet Jonansson... E ela sorria, dizendo que desejava mesmo era um beijo do cabeludo da sala...
Um sorriso, um convite, uma alça da blusa que cai...
Ele foi embora, no dia seguinte, sem deixar vestígios. Mas deixou a alma imunda, sua alma imunda. Envergonhada do seu vexame carnal...
Ele deixou um café pronto e uma culpa que nem te conto... Era o agradecimento da entrega imperfeita...
E se ela tivesse se mostrado ingênua? Dito que sabia inglês e francês. Que gosta de literatura, e chora com Camões... Que toca piano e violão, mas se arrisca no apito também. E se ela contasse que sabe cozinhar bem. Que faz musse de limão e pudim de leite com perfeição? E se ela tivesse dito que conhece de política, já leu Maquiavel, domina a economia, estudo arte e deseja ser diplomata. Que se veste bem, mas às vezes se cansa e quer deixar de ser chic. É uma garota de família, que ama os pais... Gosta de velhinhos fofos e adora crianças, gatos e cachorros.
E se ela lhe tivesse desvendado todas as suas habilidades. Todos os seus talentos... Será que ainda assim, faria nascer um romance?
E se ela não trocasse o seu valor, o seu brio, o seu orgulho e sua vaidade por uma noite de prazer inútil... Será que ainda assim ela teria um romance?
Lá fora corre um vento gelado... O café é quente e aquece...
E Estela chora, porque queria um romance.
Ps: The day after, Edward Munch.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bonança, Maio de 2008







Nino,





O carteiro hoje chegou cedo trazendo tua carta...

Eu estava ainda deitada, cansada de mim mesma. Meu coração tá cinza nino. É uma tristeza estranha que às vezes me acomete assim, de repente. A vida está tomando proporções de sonhos desfeitos... e eu nem sei porque...

Acordei com a sensação de ressaca. O dia estava de ressaca, meu bem.

Quando escutei o cachorro latir, sai pra pegar a tua carta...

Olha nino, eu cheirei tua carta com devoção, como se nela contivesse qualquer perfume daqueles dias...

Tinha cheiro de sol e brisa leve.

Cheiro de felicidade...

Espiei o vento forte que fazia e aconcheguei tua carta nos meus seios pra que ele não roubasse o teu cheiro de mim.

A minha rua estava como sempre poética.

A vizinha aguava as suas roseiras.

Enquanto seu Brito passeava com os cachorros assoviando o bolero de Gardel.

A minha vizinhança é assim tão bela quanto às roseiras de Rita.

Corri para ler a sua carta, mais parei...

Não queria lê-la com avidez, como escutar musica sem senti-las. Por que é preciso sentir, nino, sentir tudo e de todas as maneiras possíveis.

Inventei obstáculos...

Pra evitar que você chegasse e me abandonasse tão rápido...

Fiz o café e misturei ao leite...

Voltei a cama, porque te desejei nela a noite toda...

Estávamos então só eu e tu.

Num aconchego de marido.

Abri o envelope e desdobrei a carta...

Mas não a li,

Antes passeei meus olhos por entre as tuas linhas perfeitas, tuas letras simétricas.

Li o teu inicio, e imaginei você me chamando de meu bem, como só você sabe falar...

Evitei te ter por inteiro, e parei, pra respirar e sentir você me chamar de meu bem...

Juro que escutei você da cozinha me chamando.

Pensei ser você, é um costume bem bobo, esse meu de escutar tu me chamar as vezes, no meio da minha solidão de poeta...

Voltei a ler-te com demência...

Chorei lágrimas indispostas...

Penso que por mais que as saudades sejam tamanhas, e ainda que sejam de fato, é bom que você tenha em mente e no coração o seguinte: eu, Laura, sou a sua menina viu...

Ninguém além de você, me tem com tanta certeza e devoção.

E peço-te que agüente as distancias, que não são poucas, mas meu bem bem querido é para o nosso bem ser construído.

A nossa casinha em Marambaia, a nossa viagem de mochila, o curso de fotografia e nossas marias...

Vê meu bem bem querido, somos amados pelas letras das nossas poesias, que bem há melhor nisso?

Que forma mais saudável de vivermos essa saudade...

E quando eu velhinha mostrar aos netos do nosso amor tuas cartas, haverão de dizer: que paixão imenso o dos nossos avós...

Paixão de outra vida né nino?

Tudo caminha hoje claro nino aqui.

E branco também...

Mas tem chovido tanto.

Ontem havia um rapaz na calçada da nossa rua tocando violão e um outro cantando a nossa música,,,

A valsa brasileira...

Preciso de você aqui pra mostrar as coisas belas que eu vejo.



Encerro aqui o nosso colóquio amoroso, aninhando-me às tuas palavras afagos.

Hoje é frio nino, mas amanhã melhora. Que as reticências te transmitam tudo o que não traduzi em palavras.




Estou em você

Tua Laura.