terça-feira, 27 de outubro de 2009

Carta aos olhos silenciosos que me namoram...


Há muito não escrevo sobre as impressões do dia, tenho-me resguardado aos sentimentos, mas eles andaram ariscos e me fizeram fazer beicinho nos últimos tempos. Aparta-me deles nesses dias de sossego para escrever-te as singelezas dos dias solitários. Pareço-te austera? Não, a belea dos dias longe de ti bastava-me para restituir a felicidade.

Por vezes, passo a tarde sozinha no jardim florido embriagando-me de leitura, vendo as sombras das árvores alongarem-se e as borboletas voejarem. As vezes eu me desvio e penso em ti.

A minha primeira alegria é ser acordada com um raio de sol a brincar no meu rosto que entra não sei porque fresta da janela. Surpreendida assim, bem cedinho, abro a janela e sinto a friagem do ar enternecer-se sobre a minha pele. A roseira púrpura, a relva orvalhada, o pé de acácias, o jasmineiro branco, a figueira prateada brilham sobre um brilho tão novo e fugaz que me emociona. Eu carrego sozinha a beleza do mundo!

E passo horas sentindo. Sentindo tudo de todas as maneiras. Até que as janelas vão se abrindo de par em par ao odor ensolarado da manhã. Eu já partilhava com esse dia que mal começava para os outros , um longo passado secreto.

Ocupei esses três dias longe de ti embevecida com a belezadeles. Até agora, que te escrevo, as manchas do sol da tarde dançam no meu caderno. Nesse instante, eu penso que cada coisa tem o seu lugar certo, até eu mesma. O perfume de saudade mistura-se ao odor de chá de erva doce que me chega por baforadas da cozinha.u

A noite, as janelas em par ainda abertas, respiro sob a via-láctea o perfume da roseira à espreita das três marias no céu. Deve ser por isso, pra ver esse espetáculo que gosto tanto de atardar-me na janela antes de dormir. gosto de cheirar o sopro do sereno da noite. Nesses dias eu senti saudades, as vezes de teu olhar pesar sobre mim. Teu sorriso encontrar com o meu, como se a gente partilhasse segredos. Nos comunicamos com um olhar, já reparaste? De longe, Monótono, obstinado como um coração pulsando um gafanhoto canta. Penso em ti, nos teus olhos mudos a ver o vento brincar nos meus cabelos. Há um silêncio infinito, dentro do infinito do céu de teu olhar. Estou em paz! Acariciada pela brisa, embriagada por perfumes, embalada por Deus. Tive a sensação de liberdade, essa liberdade que eu encontro em ti. Tu que faz a minha tarde vazia valer um dia.



Deixo-te, pois, um beijo, este que ainda não te dei.


Laura




PS1: Noite estrelada, Van Gogh. Pela conversa entusiasmada ontem a noite com Hítalo sobre o pintor pós-impressionista.


Ps2: Por provocação de quem vos escreve leiam pela segunda vez o texto escutando Come away with me de Norah Jones. Trás boas sensações e a ideia é provocá-las.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Serenidade em dias azuis


Não sei porque, hoje eu estou com a leve sensação de alma em estio de primavera. Como se a borrasca de inverno tivesse deixado o céu para inundar o chão. Era já uma terra molhada espelhando céu azul. Azul que volta pro céu é chuva alegrando o chão. É a sensação de tudo no seu devido lugar novamente. É jardim florido então. É céu na alma e paz no coração.


PS: Paisagem com touro, Tarsila do Amaral.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Livro do desencanto


Escrevo numa segunda, noite baixa, ampla de luz, no sossego de minha rua poética. Penso no que aconteceu esta tarde e no quanto as pessoas mogoam os outros por tão pouco. Penso numa flor, lirio branco e brando. Penso numa mão grande e indelicada. Vejo ela tocar numa flor, não sutilmente, mas por curisidade, como que pra conhecer o sabor de seu toque. Mas por qualquer ponta de pervesidade, movido quase maquinalmente por uma frieza irracional deum instante, essa mão arranca um pedaço desse lírio branco de jardim. Essa mão não sente prazer nisto e não sente culpa qualquer. O lirio branco e brando não lhe culpa. Não há carrascos nem vítimas nesse jardim. E a mão machado bronco segue seu caminho indiferente. E o lirio, ainda que pasmo diante de tanta indelicadeza, continua na sua elegância de infinito. Ela não reage. Ela não chora. Ela não xinga. Ela não despreza. Ela é suave. Ela compreende. Compreende as ofenças que lhe ferem, que machucam suas pétalas voluntáriamente ou não. O lirio branco e brando continua no jardim exprimindo sempre uma grande, uma solene, uma contente felicidade, porque é a essência de sua natureza. Mas sobretudo, o lirio brando possui o que a mão machado bronco não possui, elegância. Uma elegância desobrigada.

Essa elegância não é ensinada nas faculdades, nem se encontra nas poesias, ela é algo que vai muito alêm dos cumprimentos diários e necessários; Bom dia, boa tarde, boa noite, todo mundo sabe falar, até com má vontade. Essa elegância não se encontra no agradecimento de uma gentileza, nem na educação básica que as mães nos ensinam: Não fale de boca cheia! Não faça gestos obscenos! Não arrote! Não solte ventos! Elegância vai muito alêm disso. Ela nasce com a gente, amanhece, anoitece, e aparece nas horas mais prosaicas e improváveis, quando não há ninguem por perto. Só há ela, a elegância dos gestos.

Essa elegância infusa, inconsciente, infensa a testes, incandescente em seu simples manifestar-se, não se encontra em joias, nem em roupas, nem em inteligência, nem em sobrenomes. Encontra-se na generosidade do trato com as pessoas. E isso não há quem ensine, porque é delicadeza natural.

O lirio branco e brando sentiu essa sutil diferença entre ela e o machado bronco naquela tarde. Não havia motivos para ser tratada com tanta grosseria, ela não pedia nada, somente um instante pra falar deles. Mas ela, no seu pasmo assustado diante da mesquinharia dele, preferiu sentir a reagir àquela situação desnecessária. O lirio branco e brando sentia plenamente essa elegância natural naquele momento. E se a sente, é porque verdadeiramente a tem.



Ps:Path Giverny, Monet. Porque é sempre belo e fala ao silêncio.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Memórias do quarto escuro. O diário de tereza, segunda folha...




Na noite em que eu encontrei Helano. Não me lembro de ter visto uma lua tão bonita, redonda, clara e cheia de vida como os olhos de Helano. Era uma conspiração, e hoje disso não duvido. Naquela noite tudo me pareceu brilhante, tudo estava aceso, havia beleza e poeticidade até na sonoridade pungente. Pareço romântica, não? Tequila, fome, carência. Não canso de querer explicar os sentimentos. Senhores, há alguem que não deseje justificá-los ao menos uma vez na vida? Talvez eu seja romântica... Eu era romântica antes de conhecer Helano! Eu fui romântica ao lado de Helano...

Era um bar. Eu, Dulce e Glória acabavamos de chegar, sentamos numa mesa diante da que Helano estava sentado. Bebia vinho, que é a bebida dos apaixonados. Tristão e Isolda bebiam-lhe a última gota pra tornar eterno o amor. Helano escrevia poesias no guardanapo (Me pareceu tão boêmio!) e demonstrava a inconstância e a aura de poeta descrente. Parecia escrever como se as palavras rompesse diques e ele não acompanhasse toda a sua fúria. Helano era um poeta fauvista!

Apaixonei-me por Helano quando ele olhou pra mim. Olhar superficial. Não me considero bonita como Dulce, e nem adorável como Glória, e no entanto, eu provoquei em helano um segundo olhar. Olhar de quem não espera nada, somente para se certificar que não passou desatento. Mas Helano foi incauto, olhou-me a terceira vez. Minha avó dizia, é preciso ter cuidado com as coisas mantidas em sigilo, uma delas é a beleza que triunfava em silêncio. Ela possui qualquer coisa que emudece. Não sei porque eu me lembro disso...

Sucederam-se outros olhares, sorrisos mudos, desejo incontido. Eu desejei Helano naquela noite. Pra me provar mesmo, pelo lascívo poder de provocar a mim mesma. Lancei-me em desafio. Pra sentir de todas as maneiras a minha fraqueza e meu poder de resistência. Nesse embate, claramente perdi. E Helano entrou em mim. Em corpo presente.



Ps: Cupido e Psique, Rodin. A história de Cupido e Psique é uma das mais belas da mitologia, Vênus com ciume de sua beleza obriga Cupido a encontrar um marido bem perverso para psique, mas ele se apaixona por ela. Então ele torna-se seu amante e coloco-a num castelo onde só se encontravam na escuridão. Psique curiosa e movida pela inveja de suas irmãs, certa noite quando Cupido dormia ela acendeu uma lamparina, no entanto, ele acordou. Cupido abandonou-a por que ela não confiava nele. Desde então, psique roda o mundo em missões dadas por Vênus para ter de volta o seu amor. Ela cumpriu todas as terefas exceto a última, que consistia em descer até Hades e trazer o pote de beleza usado por Perséfone, mas ela abriu o pote. Com pena Jupiter perdoou Pisique e o seu casamento com o Deus Cupido. E ela subiu ao céu!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Balada do amor palhaço...


Tem pão, manteiga e meu coração na mão.
Ninguém sabe por quem se apaixona...
Estórias que nos contam na cama.
Barco e onda
Onda e rota
Ninguém pra nos contar
Por quem se apaixonar.


PS: Músico triste, Cândido Portinari.

Uma maçã, é uma maçã



Eu vi uma pipa amarela no céu
O sol faz arabescos no meu café
Penso em ti...
É tudo tão calmo!
O carro de lixo passa,
Finda-se, pois, a inspiração.



PS: Portinari. Meninos soltando pipas, 1947.

Petit Chanson.


Tô pensando em te inserir na minha viagem, nas minhas imagens, porta-retrato, celular, cartão-postal, fim de ano e natal. A noite a Luxúria e o inferno a dois, banho a dois... amanhece meu sol! A tarde meu certo meu incerto. Café pra dois é sonho a dois. Estou contando aos estranhos que gosto de você. Na fila do banco, do ônibus, em todo os cantos e quinas e esquinas. Parece filme. Novela mexicana?
Ando tentando evitar a tv, você e o jantar.
Ando com vontade de te embrulhar...
De te trazer pro meu lar,
Fazer comidinha,
Sonho sexo e o que mais desejar!



PS: Salvador Dali em sua fase inicial, loge do surrelismo (Pasmem!). No entanto, percebe-se claramente no estilo da pincelada um ar que prê-anuncia salvador Dali na sua forma mais conhecida. Reparem no movimento da cortina! Ele está presente aí!




quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Bonança, 2009


Nino, meu bem

A primavera chegou. Desde 1990 não perdes a chegada da primavera aqui em Bonança. O caminho cheio de flores, a vida calma e suave, há tanta poeticidade meu bem. As mães fortes carregando seus rebentos fortes em banhos de sol primaveris. O nosso pé de jasmim laranja anda tão florido, carregado de flores miudinhas e brancas. Tapete alvo, como tu gosta. As andorinhas passeiam no nosso terraço com tanta elegância como se fossem pequenos franceses, é tão lindo de ver.

Olha Nino tudo aqui me faz lembrar de ti. O cheiro de roupa limpa, que não sei porque sempre me remete a cheiro de lar feliz. O nosso lar é feliz! O guarda chuva quebrado atrás do armário (Você disse que já havia jogado fora!). NOsso estudo sobre Rembrant. Vê são tudo lembranças tuas Nino! Sabes que gosto desse cheiro de época distante que perpetua pelos cantos de nossa casa.

A tua carta última muito me lembrou aquele dia. Em que o sol amanheceu preguiçoso e clareou o dia devagarinho, descobrindo o escuro escondido da noite. E o céu era azul, bem azul, desses em que a gente chora. O pé de acácias do nosso quintal amanheceu douradinho, tapete era chão amarelo. O dia tava tão bonito! Enviado a rua 15, N: 10, Bonança, endereçado à nós. Não ria que eu não brinco, e nem me chames de piegas, sou romântica, Nino, romântica por ti.

Guardei tua carta esperada e tão amorosamente concebida na gaveta da cômoda onde antes estavam tuas meias. Nino, não sabes! Encontrei teu cachecol vermelho! Lembras que tu desejou levar ele pra lembrar das minhas mãos brancas e brandas brincando de tricotar? Tu ainda ficarias feliz de tê-los, não? Mas é com pesar e um tanto de aperto no coração que te digo, o Vidigal encheu de pélo e puxou alguns fios. Tu ainda o queres? Ainda assim, querendo ou não, remeto-o a ti, assim como uma caixinha de biscoito de polvilho que eu espero que o correio não sacoleje muito, ou então vais comer só o polvilho. Repara que não foram as minhas mãos amorosas que o fizeram, mas carregam toda a doçura de um beijo meu.

Fiquei ansiosa por tuas carta que não chegavam. Perdoa-me, mas duvidei do teu amor! Pensei que já não mais me amavas com devoção, pensei que faltava a ti a lembrança minha. Chama-me boba se quiseres, mas não sabia que o correio andava em greve. Pensei que tu e não o ele andava arisco.

Nino meu bem, são tantos os lugares que venho passando e e que tu ainda não conheces, mas estas presente na poesia do movimento, na leveza das folhas secas, no perfume das cores. Mas, sossega, meu bem, que as coisas belas guardo-as para ti quando regressares. Continuo o meu estudo sobre as bailarinas de Degas, embora tenho me apartado delas por um tempo porque me apaixonei por Klimt. Ainda não perdi a mania de te buscar em todos os cantos da casa, e de ainda fazer café pra dois, mas logo isso passa, quando eu me acostumar com tua ausência. Deixo-te um beijo carinhoso nas palavras que te escrevo e me despeço de ti.


Tua Laura,
Esta que sempre te ama.



PS: Valsa de Renoir.