terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Cartas a uma jovem escritora


Para Laura


Semana passada fiquei feliz, feliz a não caber em mim. Enfim, a moça respondeu a minha carta. E esperei bastante por ela, digo até ansiosamente! Mas compreendo que os misteres de escritorazinha tenham tomado conta da sua vida nos últimos dias, eu muito a felicito, pois sei como é estar em dias de inspiração.


Sabe minha querida, sobre a sua sede de vida e essa sua constante e eterna angustia em abraçar o mundo, pôr no colo e embalá-la como se ele fosse uma eterna criança, bem minha flor, ela jamais há de passar. Mas penso que você se sairá bem ao usá-la para o que você escreve.


A propósito, tenho lido muitas coisas que você já escreveu, e confesso que algumas eu não venho gostando. Não se zangue comigo, sei que é competitiva e perfeccionista e que não suporta errar, mas preciso lhe contar minha opinião. Laura, minha querida, a alguns de seus textos que você me remeteu falta alma. Aquele texto mais minimalista e sensível que você me enviou, falta um tanto de serenidade, e talvez por isso mesmo que você disse-me que eles estavam vazios, lembra-se? Também não gostei dele, e digo mais, sabe o que me pareceu? Fato curioso, não parece que você escreveu como se ele viesse de dentro, ao contrário, pareceu-me superficial. No outro texto, aquele mais realista, digo até mais denso, a esse careceu profundidade psicológica, profundidade esta que eu encontrei no primeiro capítulo de A Reunião dos Nossos. E que tanto me fez vibrar, Laura, não pense que você perdeu a sua veia literária, porque o seu blog está de prova que não, mas acredito que você deva se concentrar mais no que dizem seus sentimentos, porque sei que a senhora possui bastante sensatez e discernimento critico para saber o que realmente está bom. O capitulo três parece-me de fato exagerado, mas a sua Estela esta tão adorável que não posso conceber erros nele, mas se você não gosta dele, mude o que achar ser necessário.


Quanto ao seu coração, minha querida, parece que a senhora anda com ares de covarde, anda bebendo chá de gengibre com limão sem gostar. Depara-se com um sentimento e corre dele com medo. De sofrer? De ser feliz sem ser só? Ou de sofrer de novo por amar de mais? Moça a senhora não é de cristal, se não quebra, pra quê evitar o amor? De quantos já fugistes? Dos que eu sei, perdi as contas! Isso é lá bom? Ma petit ami, não foi a senhora que andou escrevendo desejar sentir tudo de todas as maneiras? Pois agora anda escrevendo as coisas sem as sentir? Isso não vai lá bem.


Mandei Dickens para você ler, sei que não aprecia em demasia os escritores ingleses, mas há entre eles alguns muito bons, como Wilde. Esse mesmo você leu e reconheceu o talento inigualável. Quanto a Grandes Esperanças, espero que aprecie a eloqüência irônica, o realismo amável e sorridente desse velho e talentoso inglês, Dickens e que aparte-se um pouco dos russos, e sua literatura sombria e negativa, que não lhe faz bem, são muito depressivos!

Minha querida, já que você exprime o desejo de conhecer melhor o Gógol, e de saber os pormenores de sua literatura, embora eu não concorde com essa sua persistência com os russos, e eu penso que você é muito teimosa a esse respeito, ainda assim, te enviarei um. O capote, claramente não é o melhor livro dele, mas é excelente e por isso indico que você comece por ele. Mas antes, leia com entusiasmo Dickens, ame pipi e Estela. Sim, lembrei-me de sua Estela dia desses, bela construção de personagem, e ainda a considero melhor que o Raul, embora você discorde veementemente.



Quanto aos mimos, não reclame, enviou-os quando bem entender, sei que você aprecia pequenas delicadezas, e eu desejo agradá-la sempre que me for possível.


PS: Espero que goste dos gerânios, em substituição aos brincos de princesa que não encontrei no mercado.


Seu amigo,

Florius



PS: Um Picasso para começar o ano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Florius te leu direitinho hein?! ;)