sábado, 23 de janeiro de 2010

Bonança, Janeiro de 2010



Meu Querido Florius,


Fecho nesse instante o precioso livro que me remeteste, Grandes Esperanças é impressionante. Há muitos anos não leio um livro que tenha produzido efeito tão estimulante ao meu coração. Quando te digo anos, é porque nessa tarde pensei realmente em tudo o que tenho lido e na sensação incrível que senti a cada página que virava. Dickens é encantador! Juvenil, confesso, e me dá tal idéia de frescor que não posso imaginar que os meus catorze anos não conheceram Dickens. Em diversos momentos me senti na frescura dos meus 14 anos quando li olhai os lírios do campos, sim Florius querido, há em Grandes Esperanças essa doçura triste do livro do Veríssimo. Tenho-te tantos comentários a fazer sobre ele, penso que isso requer uma visita, regada um bom café e a broa de milho, acompanha-me qualquer dia desses? Espero-te ansiosamente.


Sabe meu querido Florius, quando lia Dickens senti uma vontade férrea e inabalável em escrever o meu livro, que anda largado à própria sorte. São inspirações Florius, inspirações! Faltam-me as vezes, e mesmo tu sabes que só quando estiver bem velha é que hei de publicar o meu estimado livro, que é quase um filho de tão apegado a ele que sou, então retardo os dias que chegará o momento de mostrar aos outros olhos não tão condescendentes como os teus.


A Estela de Dickens tem sim um pouco da minha Estela, mas a minha é tão viva, tão jovial que a considero singular. Tenho pensado na minha Estela e no que você me disse certa vez ser ela um reflexo fiel e minucioso meu e por isso não ter eu sobre ela total conhecimento. Considero-a tão cheia de nuances, tão inconstante, como o vento, como o tempo, como a arte.


E isso me lembra dizer-te meu querido,que encontrei soluções satisfatórias sobre o meu livro. Refiro-me ao incomodo que Augusto representava para mim, sim, meu querido, solucionei da melhor forma possível! Exclui esse personagem da história. Apesar da sua personalidade está bem construída, tenho a ele completa aversão. Odeio Augusto e não posso conceber a idéia de que a minha Estela poderia um dia amá-lo. Estou muito feliz com essa decisão, espero que tu fiques também. Diante disso nosso querido Frederico toma novas e maiores proporções. Meta de janeiro? Construir Inês!


E como são lindos os gerânios que você me remeteu! Que encanto de flores! Você percebeu as cruzinhas brancas no escarlate de suas pétalas? Onde encontrou gerânios por aqui? E são tão mimosinhos! E sobretudo, caros! Não deveria ter se dado a esse luxo, prefiro flores mais baratas, já que você deseja continuar a mimosear minha amizade, que já é sempre sua. Quanto aos brincos de princesa, sim, são florzinhas difíceis de encontrar por cá. As lanterninhas japonesas são mais bonitas com sua cor de entardecer.


Querido Florius, vou ficando por aqui, digo-te antes que hoje me sai uma bela dona de casa, confesso que teria talento se não considerasse os deveres do lar tão embrutecedores! Não ria! Fiz bolo, mas como não saiu da fôrma de forma a apresentar a ti, não te envio ele. Hoje estou particularmente feliz! E sim, ontem a moça da padaria sorriu pra mim! E tu que juravas que ela não sorria porque não tinha dentes! És um bobo! Deixo-te com um carinhoso beijo e um sorriso no rosto, que eu sei.


Sua sempre amiga,

Laura


PS: Autumn in Bavaria. Wassily Kandinsky, o pioneiro do abstracionismo nas Artes Plásticas, nasceu na cidade de Moscou, em 16 de dezembro de 1866. Filho de pais divorciados, ele foi educado pela tia, optando a princípio pela música, que posteriormente refletirá em seu trabalho como pintor, pois ela lhe confere noções essenciais de harmonia e evolução. Kandinsky seguiu inicialmente as trilhas acadêmicas, formou-se em Direito e Economia na Universidade de Moscou, mas logo depois desistiu desta profissão, encontrando finalmente seu destino nas veredas das artes visuais, ao se apaixonar por uma tela de Monet.

Kandinsky tirou da arte a sua obrigatoriedade de representação da realidade, inaugurando o ciclo abstracionista com sua primeira aquarela abstrata (1910). Alguns artistas já haviam feito experimentos com a dissolução de imagens, mas Kandinsky foi o mais consistente e lógico na busca de um modo de expressão não figurativa. A obra acima não expressa sua fase abstrata, ela é mais voltada a sua fase figurativa do início da sua carreira, de cores quentes, que de certa forma remete-nos a uma arte mais fauvista.

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