domingo, 27 de dezembro de 2009

O magnânimo


Porque não me fala do senhor? Não gosta de falar de si mesmo? Pois eu cá, já sou o contrário. De quem poderia falar com tanto entusiasmo prazeroso senão de mim mesmo. Sou vaidoso, e assumo porque nunca tive problemas com a modéstia, à bem da verdade não a possuo. E nem nunca desejei ser tão simplório. Mas reconheço humildemente, meu caro amigo, já o posso considerá-lo assim, sempre fui um poço de vaidades. Eu, eu novamente e eu por fim, esse foi sempre o refrão da minha ilustríssima vida. Só consigo falar vangloriando-me, sim, mas havia todo um jogo cênico, pois também sou ator, e isso se dá maravilhosamente com a minha desfaçatez. Mas sou um homem francamente inteligente, e construo toda a cena com absoluta descrição, cuja verdade só eu possuo. Por que eu vos digo isso? Chega uma época, meu caro amigo, que até homens magnânimos como eu se deprimem, procuro um sentido todo pra esse meu total cinismo, pra esse estúpido e imenso amor próprio. O senhor entende-me não? Não, creio que não. Mas não preciso que me compreendam, talvez isso seja impossível, espero, não, almejo ansiosamente que me escutem o desabafo tardio. Sou um homem sem moral. Digo mais, sou um homem sem caráter. E no entanto isso me parece bastante razoável. Sabe, meu bom amigo, eu sempre me considerei mais inteligente que todo o resto do mundo. Não sorria, eu ainda assim me considero. Só reconheço em mim superioridades, mesmo quando me encontrava diante de algo em que eu não tinha habilidades, ainda assim eu era mediano, e acreditava piamente que se me dedicasse obteria retumbante êxito. Só vivia para alimentar o jogo feroz do eu-eu-eu. Digo, ainda vivo. Mas alguma coisa anda me incomodando. Consciência, o senhor diz, não meu caro amigo, a consciência jamais me pesou, confesso acreditar que na verdade eu não a tenha. Minha vaidade não tem objetivo, o senhor me compreende? É uma vaidade patológica! Eu vivo ainda hoje assim, sempre firme no meu posto, defendendo a minha soberania sempre. E no entanto, percebo que sobrevivo na superfície da vida. Não me compreende... É evidente, se nem mesmo eu me compreendo.


Silencio abissal estabelece-se entre os dois senhores vestidos de preto, sentados na praça do campo das princesas, somente a fonte distinguia o silêncio da música. Passaram-se assim muito tempo até que alguém novamente voltasse a falar.


Já vai? O prazer foi todo meu caríssimo. Meu senhor, posso oferecer-lhe meus préstimos, sem correr o risco de ser inoportuno? Pois sim! Acompanharei o senhor até a ponte. De lá não seguirei mais. Obrigado.


E não seguiu. O senhor magnânimo da ponte quedou-se em 27 de dezembro de 2009.


PS: Desespero de Edward Munch. Uma historiadora de arte identificou a paisagem que inspirou o pintor expressionista norueguês, Edvard Munch(1863-1944) a fazer seu quadro mais famoso, a obra intitulada "O Grito". Segundo Sue Pridaux, trata-se de "Kristiania", atual Oslo, vista de Ekeberg, em cujo asilo psiquiátrico a irmã mais nova de Munch, Laura, foi internada por causa de sua esquizofrenia. O lugar também fica perto do matadouro da cidade, explica a especialista, citada hoje pelo jornalThe Times. Segundo Pridaux, os gritos dos animais no matadouro combinados com os dos loucos no asilo, intensificaram a ansiedade do artista sobre seu próprio estado de saúde. Munch que perdeu a mãe e a irmã mais velha na infância, sofreu com frequentes depressões e crises de alcoolismo. O famoso quadro mostra uma linha diagonal, que segundo se achava, representava uma ponte, mas Pridaux a identificou como sendo um muro de segurança que ainda existe na região. Munch utilizou esse mesmo fundo em suas obras "Desespero" e "Ansiedade".

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do texto, e das informações sobre Munch =)

Bione