sábado, 9 de outubro de 2010

Dos amores muito rápidos


A pergunta é: você já amou alguém que viu pela primeira vez num lugar inusitado, onde provavelmente os amores não vão acontecer e onde naturalmente eles não são possíveis? Não. É realmente e possivelmente a resposta de todos os meus caros leitores. Não vivemos dentro do filme closer. Digo isso infelizmente. Porque ando sempre a me imaginar no papel emocionalmente instável da Natalie Portman. Cenas de amores inesperados e imprevisíveis não saem da tela de cinema pra ganhar a imensidão na projeção das nossas vidas.

Mas comigo aconteceu.

Vick Cristina Barcelona, eu era a Maria Helena. Louca, inconseqüente, temperamental e doce.

Encontramos-nos na bilheteria do MASP, em recente viagem a São Paulo, impressionante e fascinante Sampa do Caetano. Eu na elegância discreta não das moças paulistanas, mas das meninas pernambucanas, entrei como quem entra sem bater, sem anunciar, com a intensidade de quem simplesmente decide ser feliz sempre. Ele sim era um deselegante rapaz paulistano, molambento, engonçado e despretensioso. É, ele tinha uma leve graça na despretensão do seu andar gingado. E sua calça branca amassada, sua camiseta verde e suas sandálias havaianas atraiu os olhares da elegante moça. Que sabia sorrir pra acentuar as covinhas e mover os olhos quando entrava em liça para a conquista. Uma pergunta, um sorriso, um menear leve da cabeleira negra, um passo a frente, ela parece que deixou o rapaz a suspirar.

Exposição alemã. Pintura contemporânea. Se não neste tempo. Eu gostei de Richter, ele de Etiel. Mas nos agradamos em comum da arte neo rauch, com o que há de melhor na Alemanha depois da queda do muro de Berlim, ele quem me explicou. Era a pintura resistindo a impermanência de uma época tomada pelo virtual. Mas ele criticou a arte contemporânea, eu retruquei. Sabe queridos, eu odeio quem fala mal de arte contemporânea. Mas o Daniel tinha um jeito peculiar de discordar. Uma forma de resistir com elegância aos meus questionamentos sobre a própria presença da arte como recriação do tempo instantâneo da pós-modernidade. Ele discutia com maestria e redargüia as minhas analises de forma simples, mas arquitetadas de maneira singular. O primeiro piso do MASP presenciou em cada parede e espaço essa nossa conversa agradável e confesso até curiosa.

Somente no piso superior nos apresentamos. Romantismo, a arte do entusiasmo.

- Você é pernambucana?

- O sotaque! – E sorri.

- Eu já fui à Pernambuco. – ele comentou entre um ar indiferente e uma leve intenção de me impressionar.

- Gostou? E onde tu foi? – eu tentei manter o ar indiferente dele, mas é que sou de gênio naturalmente expansivo.

Ele gostou do meu nome. Eu gostei dos olhos deles. Diante de uma fotografia de Ieda Marques ele me beijou.

“Aqui tudo dá ao pensamento asas, movimentos e dimensões atmosféricas infinitas! Na terra estamos atados a um ponto morto e encerrados no círculo estreito de uma situação... Alma minha, como te encontrarás quando saíres deste mundo?” Herder.

O Daniel foi um amorzinho que nasceu dentro dos espaços fascinantes do MASP e viveu para morrer num baquinho sob um ipê roxo do Parque Trianon. Ele tinha os olhos de menino, escuros e remansosos, um cabelo quase claro e um sorriso que me encantou. Uma voz firme como quem sinaliza uma intenção de dominar, até a forma de me levar a seu corpo refletia essa postura. E seus beijos tinham o sabor de aventura, de mistério e de um colorido frio na barriga. Eu amei o Daniel naquela única tarde nos ares do MASP, naquela aventura displicente e galanteadora de quem sabe viver uma embriaguês em que se desconhecia. Eu amei o Daniel por amar mais a mim naquela tarde. Como se fosse tudo tão intenso capaz de romper todos os diques da minha sanidade.

Debaixo do ipê roxo, eu e ele esperávamos a chuva passar, abraçados, sabendo inevitável o adeus. A chuva não passava. Eu só queria uma aventura, descobri um amorzinho. Ele viveu o tempo que nasceu, e na fatalidade do amor soube ser o melhor.

Diz, quem é maior que o amor?
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além
Vão dizer, que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela vai cair*


PS: Para o Daniel por ter feito a minha tarde no MASP ser mágica e encantadora, como se fosse um filme.

PS2: Bresson.

PS3: * Conversa de botas batidas, Los Hermanos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Só em Sampa, cenário de grandes romances globais para viver uma história dessas.

Dora disse...

Que lindo! ^^)