terça-feira, 20 de outubro de 2009

Livro do desencanto


Escrevo numa segunda, noite baixa, ampla de luz, no sossego de minha rua poética. Penso no que aconteceu esta tarde e no quanto as pessoas mogoam os outros por tão pouco. Penso numa flor, lirio branco e brando. Penso numa mão grande e indelicada. Vejo ela tocar numa flor, não sutilmente, mas por curisidade, como que pra conhecer o sabor de seu toque. Mas por qualquer ponta de pervesidade, movido quase maquinalmente por uma frieza irracional deum instante, essa mão arranca um pedaço desse lírio branco de jardim. Essa mão não sente prazer nisto e não sente culpa qualquer. O lirio branco e brando não lhe culpa. Não há carrascos nem vítimas nesse jardim. E a mão machado bronco segue seu caminho indiferente. E o lirio, ainda que pasmo diante de tanta indelicadeza, continua na sua elegância de infinito. Ela não reage. Ela não chora. Ela não xinga. Ela não despreza. Ela é suave. Ela compreende. Compreende as ofenças que lhe ferem, que machucam suas pétalas voluntáriamente ou não. O lirio branco e brando continua no jardim exprimindo sempre uma grande, uma solene, uma contente felicidade, porque é a essência de sua natureza. Mas sobretudo, o lirio brando possui o que a mão machado bronco não possui, elegância. Uma elegância desobrigada.

Essa elegância não é ensinada nas faculdades, nem se encontra nas poesias, ela é algo que vai muito alêm dos cumprimentos diários e necessários; Bom dia, boa tarde, boa noite, todo mundo sabe falar, até com má vontade. Essa elegância não se encontra no agradecimento de uma gentileza, nem na educação básica que as mães nos ensinam: Não fale de boca cheia! Não faça gestos obscenos! Não arrote! Não solte ventos! Elegância vai muito alêm disso. Ela nasce com a gente, amanhece, anoitece, e aparece nas horas mais prosaicas e improváveis, quando não há ninguem por perto. Só há ela, a elegância dos gestos.

Essa elegância infusa, inconsciente, infensa a testes, incandescente em seu simples manifestar-se, não se encontra em joias, nem em roupas, nem em inteligência, nem em sobrenomes. Encontra-se na generosidade do trato com as pessoas. E isso não há quem ensine, porque é delicadeza natural.

O lirio branco e brando sentiu essa sutil diferença entre ela e o machado bronco naquela tarde. Não havia motivos para ser tratada com tanta grosseria, ela não pedia nada, somente um instante pra falar deles. Mas ela, no seu pasmo assustado diante da mesquinharia dele, preferiu sentir a reagir àquela situação desnecessária. O lirio branco e brando sentia plenamente essa elegância natural naquele momento. E se a sente, é porque verdadeiramente a tem.



Ps:Path Giverny, Monet. Porque é sempre belo e fala ao silêncio.