Querida Laura,
Cheguei de viagem esta quinta. Enquanto dava um jeito no meu velho estúdio de pintura, que a propósito continua na mesma rua, da união, quase ao lado da casa de Manuel Bandeira, encontrei uma velha fotografia do nosso grupo dos cinco, igual aqueles lá do modernismo. Lembrança ingênua essa do “grupo dos cinco” da qual não pude jamais esquecer, mesmo distante, traçando outras linhas claras pro meu caminho. Mas me bateu uma saudade que dilacera. Essa foto é daquele dia em que o Renato Russo morreu e nosso grupinho ficou escutando durante o dia todo músicas da Legião na sua casa. O Helano chorou, disse que foi a primeira vez na vida. Belo mentiroso esse garoto! O Nino chorou, mas tentou disfarçar, porque você estava olhando e ele queria te impressionar. Não acredito que vocês ainda se amem! E o Florius tava chapado. Parecia um louco, pulando e chorando ao mesmo tempo. Nunca vi o Florius assim, descontrolado.
Laurinha, li sempre seus textos e algumas de suas criticas de arte, estão fabulosas! E a literatura? O Florius numa carta recente disse-me que você é capaz de emudecê-lo, e às vezes de irritá-lo até a tormenta, mas penso que isso não seja demérito. Soube pelo Nino que o jasmineiro laranja ainda floresce, fiquei feliz.
Depois da foto, escutei Legião Urbana. Tola sentimental é isso que sou, mas é porque desejei sentir a mesma emoção de saber-nos assim tão ligados. Éramos um grupo de invejar. Um por todos, todos por um. Não acredito que tenha sido há tanto tempo atrás. “Hoje em dia como é que se diz eu te amo?” Lembra que eu disse isto antes de viajar? Você me respondeu, vamos fazer um filme,parafraseando o Renato. E hoje Laura, como se diz eu te amo?
Eu penso que aprendi. O fim do mundo passou já, querida, no meio de uma depressão. É difícil ser sozinha. E ainda é difícil imaginar a minha vida aqui. Preciso de sua franqueza. Necessidade de te ver.
Tantas saudades! Helano, Nino, Florius, Laura e eu.
Sofia Bianchi
PS. Encontro as cinco, sábado, café da Fundação.
PS1: Pereja, Xul Solar. O conjunto da obra de Xul Solar é um claro reflexo da necessidade de expurgar assombrações particulares, aflições existenciais; o seu mal estar com a vida visava estruturar fora de si um espelho para seu temperamento melancólico e nervoso, projetando um imaginário totalmente divorciado do desejo de uma proposta plástica, de uma afirmação estética ou de uma transformação visual. A arte de Xul não se enquadra nem em um estilo nem em uma estética. É como se fosse a obra de um perturbado mental, mas um artista, grande artista.
Um comentário:
Ai que saudade dessas cartas que comovem a gente! *-*
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