quinta-feira, 8 de julho de 2010

Porque ainda não é a primavera...


Não era somente porque o desejava. Que lhe queria sentir o corpo sobre si. Nem o roçar macio de sua pele. Mas porque o admirava imensamente. Sofia Bianchi o amava imensamente às escondidas, dentro de seus livros, nas bailarinas de seus quadros, nas suas poesias e antes de dormir. Amava quando ele chegava. Sofria quando ele partia. Se bem que ele quase nunca partia antes dela... Será que ele sentia? Sofia o amava de longe. Dentro de seus olhos de instante, de menino. De menino lírico. Sonhava com os encontros de amanhã. Eles só queriam ficar a sós no instante da eternidade conversando todas as bobagens.

- E se eu morresse?

- A vida perderia as cores.

- E se eu adoecesse?

- Você seria a minha primeira prioridade.

- E se eu achar a tristeza normal?

- Não seria você.

- E se eu viajasse pra longe?

- Eu te buscaria.

- Num prenuncio de despedidas?

- Te abraçaria.

- Em desespero?

- Massagem nos pés.

- Sonho de creme?

- Mousse de chocolate.

- E se você não for meu?

- Eu morro.

Ela amava não tê-lo. Imaginar perdê-lo doía tanto. Era um amor intermitente. Que nascia a cada encontro. Absoluto. Fora das contingências e exigências do momento. Sartre e Simone. Sofia Bianchi o amava. Ele também a amava. A boca dela se acostumou com o sorriso leve. E as cores. O que ela mais gostava era as cores de estar apaixonada. Azul. Lilás. Anil. Brique. Cor de céu de aurora. Cores de Chagall. Ela amava tanto. Tanto que já não cabia nela, e escapava assim pela frestinha como sol de manhã invadindo quarto escuro. Era ele inteiro vazando dentro de Sofia. Em forma de boas ações. De bom dia ao motorista. Frases gentis. Ela amava os cachorros velhinhos. As crianças. A chuva. Algodão doce. O mundo inteiro. E ele. O mundo parecia sonho por causa desse amor. E o mundo poderia viver pra sempre bem.


PS: Amantes ao luar, Marc Chagall. Surrealismo russo. A qualidade cósmica da obra de Chagall nasce da vida cotidiana, por algum tempo, o artista parece esquecer os dramáticos fins e princípios.

PS2: Eu sonhei que tinha um Chagall na parede do meu quarto.

PS3: Para ler ao som de A Primavera de Vivaldi.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu não consegui sentir A primavera de Vivaldi com esse texto. Mas isso não rebaixa as duas obras.
Lindo lindo texto,Lau. Tava com saudade de te ler assim.