E essa noite que não acaba...
Você principiou a noite já alta com essa conversa inquieta irrompendo o frio cálido.
Sabe Helano, você se tornou meu grande amigo nos últimos dias de inverno. Você sabia que a primavera já chegou? E o correio de noticias andou de folga. Sabe meu amigo, a trepadeira do meu jardim está florida de brinco de princesa. Parecia sonho ela na minha janela. Parece flor de pintura. Leve, doce e suave.
Andei pensando sobre o pecado e o puritanismo envolvendo. Existem dois tipos de pecados, o pecado pra dentro e o pecado para fora. O primeiro são as nossas desqualificações morais, o egoísmo, o orgulho, a vaidade, não são armas contra os outros, só nos ferem, se é que é passível de ferimentos quem os reconhece e os incorporam a si mesmo pela fatalidade de serem inevitáveis ao próprio caráter. Você me compreende não é? Peca como eu assim, com pecado de dentro. Há os pecados de fora. Esses são julgáveis até por nós, desclassificáveis e impertinentes. Eles representam alguma coisa como tirar o direito de vida de alguém. Assassinato. Mas você não concorda comigo que privar alguém de liberdade também seja um ato de pecado externo? Você concorda? E são tudo tolices... Do que digo talvez nada seja realmente aproveitável, ou talvez não. Helano, e você, concorda que o amor só dura em liberdade? Essa frase de botequim, ou será de caminhão não me deixou a mente nos últimos instantes. Sabe Helano, acho que vivemos na mediocridade de um espírito inibidor de nossos talentos. Penso em me trancar no quarto por quarenta dias e escrever um livro. Um amigo mencionou Dostoievski e um jogador. Banalidades a parte não quero escrever merda! Acreditas que a literatura e nós já temos encontro marcado? Não és piegas, nem o sou eu. Mas andamos as cegas com ela... Dize-me cá baixinho, concorda com o Llosa que nós escritores vivemos duma atividade quase clandestina? Ando pensando muito nisso. Pensando em descobrir um caminho para o talento. Florius nos rechaçou, para descobrir o caminho para o talento é preciso ter talento. Juro que ele disse! Eu? Ri. Que mas resposta digna posso dar a esse pateta? E sim, meu bem, ando lendo o Tchekhov, deixo a nós uma frase dele, para estimular a nossa maior aventura, a literatura. “Um escritor deve ser tão objetivo quanto um químico”. Talvez tolice dita por quem jamais chegou a Tolstoi.
PS: Bresson, Liverpool.