quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Do caderno de anotações nº10


E essa noite que não acaba...

Você principiou a noite já alta com essa conversa inquieta irrompendo o frio cálido.

Sabe Helano, você se tornou meu grande amigo nos últimos dias de inverno. Você sabia que a primavera já chegou? E o correio de noticias andou de folga. Sabe meu amigo, a trepadeira do meu jardim está florida de brinco de princesa. Parecia sonho ela na minha janela. Parece flor de pintura. Leve, doce e suave.

Andei pensando sobre o pecado e o puritanismo envolvendo. Existem dois tipos de pecados, o pecado pra dentro e o pecado para fora. O primeiro são as nossas desqualificações morais, o egoísmo, o orgulho, a vaidade, não são armas contra os outros, só nos ferem, se é que é passível de ferimentos quem os reconhece e os incorporam a si mesmo pela fatalidade de serem inevitáveis ao próprio caráter. Você me compreende não é? Peca como eu assim, com pecado de dentro. Há os pecados de fora. Esses são julgáveis até por nós, desclassificáveis e impertinentes. Eles representam alguma coisa como tirar o direito de vida de alguém. Assassinato. Mas você não concorda comigo que privar alguém de liberdade também seja um ato de pecado externo? Você concorda? E são tudo tolices... Do que digo talvez nada seja realmente aproveitável, ou talvez não. Helano, e você, concorda que o amor só dura em liberdade? Essa frase de botequim, ou será de caminhão não me deixou a mente nos últimos instantes. Sabe Helano, acho que vivemos na mediocridade de um espírito inibidor de nossos talentos. Penso em me trancar no quarto por quarenta dias e escrever um livro. Um amigo mencionou Dostoievski e um jogador. Banalidades a parte não quero escrever merda! Acreditas que a literatura e nós já temos encontro marcado? Não és piegas, nem o sou eu. Mas andamos as cegas com ela... Dize-me cá baixinho, concorda com o Llosa que nós escritores vivemos duma atividade quase clandestina? Ando pensando muito nisso. Pensando em descobrir um caminho para o talento. Florius nos rechaçou, para descobrir o caminho para o talento é preciso ter talento. Juro que ele disse! Eu? Ri. Que mas resposta digna posso dar a esse pateta? E sim, meu bem, ando lendo o Tchekhov, deixo a nós uma frase dele, para estimular a nossa maior aventura, a literatura. “Um escritor deve ser tão objetivo quanto um químico”. Talvez tolice dita por quem jamais chegou a Tolstoi.


PS: Bresson, Liverpool.


sábado, 9 de outubro de 2010

Dos amores muito rápidos


A pergunta é: você já amou alguém que viu pela primeira vez num lugar inusitado, onde provavelmente os amores não vão acontecer e onde naturalmente eles não são possíveis? Não. É realmente e possivelmente a resposta de todos os meus caros leitores. Não vivemos dentro do filme closer. Digo isso infelizmente. Porque ando sempre a me imaginar no papel emocionalmente instável da Natalie Portman. Cenas de amores inesperados e imprevisíveis não saem da tela de cinema pra ganhar a imensidão na projeção das nossas vidas.

Mas comigo aconteceu.

Vick Cristina Barcelona, eu era a Maria Helena. Louca, inconseqüente, temperamental e doce.

Encontramos-nos na bilheteria do MASP, em recente viagem a São Paulo, impressionante e fascinante Sampa do Caetano. Eu na elegância discreta não das moças paulistanas, mas das meninas pernambucanas, entrei como quem entra sem bater, sem anunciar, com a intensidade de quem simplesmente decide ser feliz sempre. Ele sim era um deselegante rapaz paulistano, molambento, engonçado e despretensioso. É, ele tinha uma leve graça na despretensão do seu andar gingado. E sua calça branca amassada, sua camiseta verde e suas sandálias havaianas atraiu os olhares da elegante moça. Que sabia sorrir pra acentuar as covinhas e mover os olhos quando entrava em liça para a conquista. Uma pergunta, um sorriso, um menear leve da cabeleira negra, um passo a frente, ela parece que deixou o rapaz a suspirar.

Exposição alemã. Pintura contemporânea. Se não neste tempo. Eu gostei de Richter, ele de Etiel. Mas nos agradamos em comum da arte neo rauch, com o que há de melhor na Alemanha depois da queda do muro de Berlim, ele quem me explicou. Era a pintura resistindo a impermanência de uma época tomada pelo virtual. Mas ele criticou a arte contemporânea, eu retruquei. Sabe queridos, eu odeio quem fala mal de arte contemporânea. Mas o Daniel tinha um jeito peculiar de discordar. Uma forma de resistir com elegância aos meus questionamentos sobre a própria presença da arte como recriação do tempo instantâneo da pós-modernidade. Ele discutia com maestria e redargüia as minhas analises de forma simples, mas arquitetadas de maneira singular. O primeiro piso do MASP presenciou em cada parede e espaço essa nossa conversa agradável e confesso até curiosa.

Somente no piso superior nos apresentamos. Romantismo, a arte do entusiasmo.

- Você é pernambucana?

- O sotaque! – E sorri.

- Eu já fui à Pernambuco. – ele comentou entre um ar indiferente e uma leve intenção de me impressionar.

- Gostou? E onde tu foi? – eu tentei manter o ar indiferente dele, mas é que sou de gênio naturalmente expansivo.

Ele gostou do meu nome. Eu gostei dos olhos deles. Diante de uma fotografia de Ieda Marques ele me beijou.

“Aqui tudo dá ao pensamento asas, movimentos e dimensões atmosféricas infinitas! Na terra estamos atados a um ponto morto e encerrados no círculo estreito de uma situação... Alma minha, como te encontrarás quando saíres deste mundo?” Herder.

O Daniel foi um amorzinho que nasceu dentro dos espaços fascinantes do MASP e viveu para morrer num baquinho sob um ipê roxo do Parque Trianon. Ele tinha os olhos de menino, escuros e remansosos, um cabelo quase claro e um sorriso que me encantou. Uma voz firme como quem sinaliza uma intenção de dominar, até a forma de me levar a seu corpo refletia essa postura. E seus beijos tinham o sabor de aventura, de mistério e de um colorido frio na barriga. Eu amei o Daniel naquela única tarde nos ares do MASP, naquela aventura displicente e galanteadora de quem sabe viver uma embriaguês em que se desconhecia. Eu amei o Daniel por amar mais a mim naquela tarde. Como se fosse tudo tão intenso capaz de romper todos os diques da minha sanidade.

Debaixo do ipê roxo, eu e ele esperávamos a chuva passar, abraçados, sabendo inevitável o adeus. A chuva não passava. Eu só queria uma aventura, descobri um amorzinho. Ele viveu o tempo que nasceu, e na fatalidade do amor soube ser o melhor.

Diz, quem é maior que o amor?
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além
Vão dizer, que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela vai cair*


PS: Para o Daniel por ter feito a minha tarde no MASP ser mágica e encantadora, como se fosse um filme.

PS2: Bresson.

PS3: * Conversa de botas batidas, Los Hermanos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010


Encontrei essa semana uma amiga de minha mãe de longa data. Ela de primeira não me reconheceu, os cabelos mais longos, o rosto corado, ou talvez os braços mais roliços que os da minha meninice, a imagem que ela guardava de mim, não indicaram a ela quem eu era inicialmente. Mas por fim, olhando o sorriso de covinhas ela reconheceu. Ela é vizinha de uma ex-grande amiga minha. Se você me perguntar como as grandes amigas deixam de ser grandes amigas eu nunca vou saber responder. Porque entre nós nunca houve brigas, nem desentendimentos ou quiçá discordâncias. Éramos muito amigas. Sabe éramos eu e ela e ela e eu.

Nunca me diverti tanto com uma amiga como nos nossos recreios do colégio. Riamos pelas menores bobagens, riamos de felicidade mesmo. Pensando bem, naquela época não tínhamos problemas algum e vivíamos numa doce e simpática boêmia de menina. Vivíamos escutando música boa, lendo romances brasileiros, recitando versos do camões ou então, o que era mais divertido, comentando com veia humorística, digo, com bastante veia humorística gentes e costumes da nossa cidade. Éramos impar em imitações, ninguém imitava o Alex tão bem como eu, e ninguém imitava a Raquel como ela. Eu e ela nunca fomos desses gênios dado à apreensões e vivíamos muito tranquilinhas.

Nunca me ocasionou a idéia de que os grandes amigos deixam de ser grandes quando nos deparamos com as searas da vida. Parece triste pensar que a distância, os caminhos, os amores, desamores e dissabores sempre nos levam a trajetos diferentes. Eu e ela sempre moramos nos mesmo lugares, tivemos os mesmos amigos, os mesmos sonhos. Éramos atrevidinhas, alegres e tínhamos uma forma muitíssimo parecida de encarar a vida. Mas sem saber por que nos separamos. Romperam-se os laços e na memória restou só a lembrança dentro de uma frescura verde e cordial.

Escrevo lembrando o dia em que fugimos da condução e ganhamos o mundo. Acho que tínhamos quatro anos de idade. Lembro de correr o mais rápido que pude abraçando a liberdade, desejando asas na inocência de Ícaro. Parecia aventura de caráter novelesco até uma bruxa má chamada tia Fátima nos agarrar com suas mãos de unhas vermelhas marcando com ferocidade nossos bracinhos de porcelana magra. Eu agora penso que deve ser por causa das unhas vermelhas de tia Fátima que nunca gostei de pintar as minhas com essa cor.

Sabe minha querida, eu nunca te disse isso, mas eu sinto muito a sua falta. Se eu pudesse voltar no tempo e reviver as coisas mais uma vez, eu tinha me lembrado de construir uma ponte de minha casa a sua para nunca esquecer o caminho que nos uniu. E de não desmarcar aquele dia em que marcamos de tomar um café. Foi há quanto tempo mesmo? Um ano? Não, acho que foi há dois anos. Me dói a evidencia de saber que não mais voltarei a viver essa amizade, são as distancias da vida. E isso é normal, é só que eu estou lamentosa. Eu queria poder te abraçar e te dizer palavras de muita força que talvez eu mesma não tenha. Mas esse era o meu desejo.

Soube pela amiga da minha mãe que a tua mãe se foi. Sabe querida, eu nunca te disse, mas eu sempre acho que as mães não deveriam morrer nunca. A vida fica meio como rua sem poste de luz. Eu acho que as mães não conhecem o brilho triste que deixam nos olhos dos filhos quando partem. E esse brilho triste dói. Sempre em mim causa um aperto no coração.

Eu queria minha querida segurar a tua mão, dar um abraço bem apertado e um sorriso dentro do silêncio desse momento. E se a distancia me impede deixo-te essa carta e um pedido de desculpas por não estar contigo nesse momento.

sábado, 2 de outubro de 2010

E ela voltou como quem volta de uma vida


A cidade vai se indo,

A luz de vez em outra aparece lá longe, numa casinha velha

E a lua iluminando as estradas tortas.

O cheiro perfumado de jasmim.

E a cidade se afastando

E a simplicidade no nascer do dia

Lá vem chegando a simpatia

Pequena a casinha

Aconchegante é a cama em que durmo

De barro vermelho o chão que eu piso

Café ta quente no fogo

E água limpa na pia

Pão e ovo, leite com nata

Sorriso largo na boca

Sinceridade no bom dia

Busquei felicidade

E encontrei na simplicidade de minha casa.


PS: Van Gogh, Cotage.